A caminho do trabalho, nas primeiras horas da manhã, quase todos os dias, tenho observado um pai zeloso que conduz sua filha até a escolinha. Com a pequena no colo, de olhos cor de amêndoas e arregalados de curiosidade, ele embarca no ônibus da linha C2 umas quatro paradas depois da minha. Com o veículo já um tanto quanto apinhado de gente, também leva uma mochila cor-de-rosa nas costas e uma bolsa trespassada nos ombros. Essa bolsa, pelo seu formato, cor e material, acredito, faz parte de seu trabalho. Deduzo pelo cordão com crachá que ele traz consigo no pescoço. O crachá fica escondido dentro da camisa. As letras que compõe a escrita do cordão são muito miúdas e impossibilitam a identificação da empresa. Mas, é certo que fica próximo à escolinha.
Com o ônibus sacolejando de um lado ao outro pelas voltas que dá, e não são poucas em todo o trajeto, a menina se diverte com os pequenos desequilíbrios, certa da segurança proporcionada pelas mãos firmes e aconchegantes do pai. Dia desses, depois de muito observar, perguntei seu nome. É Sofia. Passei a semana toda sorrindo e dando bom dia à Sofia. Passados mais alguns dias, percebendo a atenção do pai, preocupado com manifestações e aproximações de estranhos, perguntei se era Sofia com F ou PH. Essa é brasileira, disse ele. Para encerrar o interrogatório e não parecer invasivo lancei-me na tentativa de descobrir sua idade chutando de cara dois anos. Fez três no dia 18 de novembro, respondeu o pai.
Sofia está sempre sorridente e de bom humor. Gosta de sentar na parte dos fundos do ônibus. Lá as poltronas são mais altas. Assim ela pode observar todo o trajeto pela janela. O mundo de Sofia passa pela janela. Ela aprende e se diverte com as coisas que vê. Na lentidão do trânsito da estreita Rua Demétrio Ribeiro, ficou excitada ao ver o aglomerado de pessoas em frente a um hotel. O pai, entusiasmado e didático, explicou que é um lugar aonde as pessoas que vêm de longe ficam. Que ali os visitantes podem dormir, descansar e se alimentar. O auge da euforia fica por conta da ponte, onde passamos primeiro por cima e depois por baixo. A ponte é o viaduto dos açorianos, que enche de brilho os olhos da pequena, que atenta, não desvia o olhar até que o ônibus faça toda a volta. Dia desses, parados no trânsito por uma sinaleira fechada, a pequena viu uma combi toda pichada estacionada na Rua José do Patrocínio. Tá suja pai! Não exitou em aumentar a voz, chamando a atenção de todos, provocando gargalhadas. A viagem de Sofia termina na primeira e única parada da Rua Santa Teresinha. Eu desço na próxima, torcendo pra reencontrar a Sofia no dia seguinte.
Publicado no Correio do Povo em 03 de janeiro de 2009.